Mês passado li o livro Maria da
Vila das Formigas, que narrava a história de Kitahara Satoko, uma jovem
japonesa do pós-guerra que se converte ao catolicismo e auxilia várias crianças
numa vila no centro de Tóquio, onde habitavam famílias paupérrimas que coletavam
materiais recicláveis para sobreviver.
O trecho abaixo narra o diálogo entre
dois trapeiros moradores da vila, “Papai” e O “Professor”, que eram os
responsáveis pela local. Na conversa, os dois decidiam pela permanência da
senhorita Kitahara na Vila das Formigas, quando o “Professor” faz uma
interessante metáfora da morte com o fechar da “cortina”:
“O ‘Professor’
começou dizendo:__Compreendo muito bem o desejo de “Papai” de reter para sempre
a senhorita Kitahara na Vila das Formigas. Eu, porém, acho que o mais
importante para um homem é a ‘cortina’.
Falava com ímpeto marcando as palavras. __Quando moço sempre pensei que haveria
de me dedicar a algo útil. Mas de um tempo para cá, estou pensando que os meus
desejos de jovem deram errado. Quer seja rei ou milionário, tanto quanto possa
ter sido feliz na terra, o homem acaba morrendo. Por isso, temendo a morte, todos,
desejando ser felizes, vivem no terror e para esquecer o medo, se entregam ao
álcool, procuram prazeres ilícitos, distrações, alucinações. O homem, por mais
rico que seja, ocupe a posição que ocupar, não é feliz. Se um homem quer ser
feliz de verdade, é preciso que não tenha medo da morte. Por isso, além de
pensar em levar uma vida que tenha alguma finalidade temporal, é bom viver uma
vida que conduza a uma morte feliz, a uma morte que, realmente, tenha uma
finalidade. Noutras palavras é muito importante para o homem pensar como
morrer. Por isso, considero mais importante para o homem a ‘cortina’, o fim do drama. Portanto eu nada faço, para impedir que
a senhorita Kitahara desapareça da Vila das Formigas. Jesus disse que não
existe maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos. Mas eu acho que
ajudar seu próprio amigo mais amado a concluir a beleza de sua vida, um ato de
amor maior ainda.”
Maria da Vila das
Formigas, Matsui Toru, Ed. Cidade Nova – 1980 p. 111.
Kitahara Satoko veio
a falecer no dia 23 de janeiro vítima de tuberculose, aos 29 anos de idade
sendo que, nove deles (após sua conversão), dedicados às crianças da Vila das
Formigas.