quarta-feira, 12 de março de 2014

Fernando Pessoa – Uma Quase Autobiografia (2ª Parte)

(Continuação)


      Fernando Pessoa, apesar da figura soturna, possuía alguns amigos que despontavam para as artes como ele. Muitos deles, tratados como precursores do modernismo em Portugal colaboravam com a revista fundada por Pessoa, o Orpheu. Os melhores desenhos de Fernando Pessoa são de obras de (José Sobral de) Almada Negreiros (1893-1970) mulato “espontâneo, rápido” e de um “brilhantismo e inteligência mito e muita – eis o que está fora de se poder querer negar.” Havia ainda (Guilherme de) Santa-Rita Pintor, Miguel Torga e o melhor amigo, o também poeta, (Mário) Sá-Carneiro, que se mataria em Paris no ano de 1916 aos 25 anos de idade.
    



      Nas próximas 200 páginas do livro, no Ato II, Cavalcanti discorre sobre os heterônimos de Fernando Pessoa.  Primeiro, nos fala do seu estilo literário para depois penetrar de fato, nos heterônimos, a partir dos três principais e mais conhecidos: Alberto Caieiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. É mister relembrar, que os heterônimos são pessoas imaginárias a quem se atribui uma obra literária, com “autonomia” de estilo em relação ao autor. Assim sendo, Pessoa não só deu estilos diferentes para cada um destes heterônimos, como até lhes deu uma data de nascimento e características físicas.
     


Almada Negreiros


      Caieiro era natural de Lisboa, morador do centro. Nascido em 16/04/1889, de signo Virgem; sua altura era mediana, sua pele branca e pálida, de olhos azuis. Sem profissão, vivia de rendas; não tinha religião e sua instrução era primária. Sendo seu estilo o da poesia primitiva, seu tema preferido era a natureza. Sua obra prima “O Guardador de Rebanhos”.
     Reis era da região norte do Porto. Nascido em 19/09/1887, era de libra. Era um pouco mais baixo que Caieiro; era moreno sem cor definida dos olhos e de cabelos castanhos; sua profissão era de médico e sua religião judia; formou-se no Colégio Jesuíta; seu estilo era o da poesia clássica; seu tema preferido, o Desencanto. Sua principal obra, as “Odes”.
     
Fernando Pessoa, por Almada Negreiros

      Por fim, Álvaro de Campos, de 1,75 metro de altura, nascido em Tavira e vivendo em Algarve, no sul. Sua data de nascimento, 15/10/1890, sendo libriano. Sua pele algo entre branco e moreno; seus olhos sem cor definida e seus cabelos eram pretos lisos. Sua profissão, correspondente comercial. Sem religião, era ateu.  Sua formação, Educação de liceu. Seu estilo, poesia sensacionista, sua obra magna, “Tabacaria”.
      Afora estes heterônimos, Pessoa teria desenvolvido, segundo Cavalcanti, mais de 100 heterônimos (127, no total). Destes, o mais relevante após os três supracitados, sem dúvida alguma, é William Alexander Search (Guilherme Alexandre Busca), surgido nos tempos da África inglesa, que escreve regularmente, quase sempre em inglês. Pessoa considera ter Search uma “incumbência: tudo o que não seja da competência dos outros três” (Caieiro, Reis, Campos).
    


O amigo Sá-Carneiro

      O Ato III “Em que se conta dos seus muitos gostos e ofícios”, tem capítulo reservado para “os sabores de Pessoa”. A culinária tem um lugar sempre secundário em suas obras. Nem ele era um grande apreciador dos comeres. “Comamos, bebamos e amemos (sem nos prender sentimentalmente à comida, à bebida e ao amor, pois isso traria mais tarde elementos de desconforto)”.
     Dentre seus pratos preferidos, Cavalcanti nos relata serem os seguintes: Galo com arroz ao Curry (Uma espécie de molho que aprende a gostar, de origem africana). O autor do livro se preocupa até em citar as receitas destes pratos! Em família, o cardápio seria mais variado: açorda seca só com pão, bolinhos de bacalhau, cordeiradas com batatas, cozidos à portuguesa, creme de leite, fatias de carne recheadas, feijão branco, filés de peixe, lombo de porco. E ainda rodelas de chouriço e guarnições com cenoura, vagem e outros legumes.
      


Fernando Pessoa aos 30 anos

      O livro fala ainda do Bolo-Rei, o bife à Jansen, ovos estrelados com queijo, ensopado de camarão, caldo verde, açorda de camarão e o seu prato favorito: Dobradinha à moda do Porto que, diga-se de passagem, é bem diferente da nossa.
      A seguir, são citados os lugares onde Fernando Pessoa morou: Largo de São Carlos, Rua de São Marçal, Rua Coelho da Rocha; em Durban, Hotel Bay View, em Musgrave Road, em Tersilian House, Ridge Road, West Street; de volta a Portugal, Rua Pedrouços, Travessa da Rua Direita, Rua da Palha e tantos mais, até a Rua Coelho da Rocha, 16, primeiro andar direito, de março de 1920 até sua morte, em novembro de 1935.


     Depois das residências, partimos para seus ofícios. “Aproveitar o tempo! O trabalho honesto e superior... Mas é tão difícil ser honesto ou superior!” Pessoa trabalhou como tradutor, correspondente comercial (em mais de 20 escritórios diferentes)se aventurou como micro empresário, fundando até uma tipografia e atuou ainda com publicidade.